quinta-feira, 27 de outubro de 2011

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Ana Paula Brito de Oliveira

Viver bem é muito mais uma questão de postura mental e emocional diante das circunst&aci
 
Postado em 26.08.11 23:58:28

Eternos Namorados
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Eternos Namorados
(L.S. Ribeiro)

Quinta-feira: dia de Julio e Irene irem ao cinema. Não foi diferente naquela semana, onde os dois escolheram um filme qualquer, na verdade, eles nunca se importaram com o filme que iam ver. Se o filme era bom, eles se emocionavam, se o filme era engraçado, eles riam e se o filme era ruim eles riam mais ainda. E depois de saírem do cinema, os dois se depararam com uma repórter. A jovem fazia uma reportagem sobre qualidade de vida e achou curioso o casal sessentão que saía feliz do cinema.
- Posso entrevistar vocês? - perguntou ela.
- Seria um prazer. - disse Irene, abraçada com Julio.
- Está gravando... Há quanto tempo vocês são casados?
Irene e Julio se entreolharam, ambos sorriram e foi Julio quem respondeu:
- Casados? Não, nós não somos casados.
- Somos apenas namorados. - completou Irene.
A repórter, um pouco desconcertada, emendou:
- Então há quanto tempo vocês namoram?
- Quarenta anos. - disse os dois, que se entreolharam novamente e caíram no riso.
- Espere, desligue a câmera, Fonseca. - disse a repórter ao câmera man. - Agora vocês vão ter que me contar essa história desde o começo.
Anos 70: o amor florescia na casa da Família Peixoto, especificamente no quarto de Irene, pois a jovem já acordava suspirando de amor. Não era diferente com Julio, que enfim se via amarrado com uma garota. Ele, trabalhava numa sorveteria e ela, sentia uma necessidade absurda de tomar sorvete todos os dias, o que chegou a intrigar sua mãe na época:
- Eu não sei de onde vem tanta vontade de tomar sorvete, todos os dias a mesma coisa, você não se cansa?
- Ai mãe, o pior é que não... - suspirava ela, pensando em Julio, que correspondia aos seus olhares.
Caso estava triste, Irene ia até a sorveteria, se estava feliz, comemorava tomando sorvete e se estava em semana de provas no colégio, ela tomava sorvete para relaxar. Foi quando sua mãe viu o que realmente alegrava e relaxava a sua filha, as duas foram até a sorveteria e ela percebeu a troca de olhares entre o sorveteiro e a cliente preferencial e logo, viu que sua única filha estava apaixonada:
- Que belo moço aquele sorveteiro, não é mesmo, filha?
- O sorveteiro? Você quis dizer o moço da sorveteria? - disse, tentando esquivar-se da situação.
- Exatamente. Também conhecido como "o motivo de minha filha gostar tanto de sorvete!". - riu ela. - Não é de hoje que eu imaginava que devia ter um motivo muito especial para você ir tanto a essa sorveteria e agora eu o descobri. E eu penso que seu pai deveria conhecê-lo.
Foi uma surpresa para Irene saber que sua mãe aprovava a paixão pelo sorveteiro e não imaginava que a partir daí as coisas aconteceriam tão rapidamente, como um jantar para seus pais conhecê-lo e porque não, a famosa pergunta: quais são as suas intenções?
- Ah, pai, você vai deixá-lo sem jeito. - alertou Irene.
- Seu avô me fez essa mesma pergunta quando eu fui jantar em sua casa e eu a farei também para o Julio. - disse o pai, com uma voz tão suave que parecia esconder todo o seu ciúme pela única filha.
- Pois minhas intenções são as melhores, senhor. Cada vez que sua filha vai até a sorveteria, mais aumenta o meu apreço por ela. Fora que sua presença me faz tão bem... - disse ele, que encantou tanto a namorada quanto a sogra, de tão doce que foram suas palavras.
O pai de Irene riu e assim, assustou a todos, que esperavam palavras de aprovação. Foi então que se percebeu o riso irônico:
- Palavras dignas de um começo de namoro. Pena que a poesia só dure até o dia do casamento. - zombou ele.
- Casamento? - disse Julio, engasgando.
Eles estavam apenas começando a namorar, mas casamento já era um assunto comentando em ambas as famílias. "Dois anos é o máximo que pode durar um namoro", dizia Tia Eusébia. Era tanto amor que o tempo passava voando quando estavam juntos e como estavam juntos quase o tempo todo, dois anos se passaram como um piscar de olhos para o casal e logo, o calendário mostrava o dia marcado para o casamento.
Foi um belo namoro, repleto de clichês como apelidinhos, buquês de flores, bombons e sem falar dos sorvetes, que Irene conseguia de graça e eram descontados do salário de Julio. É uma fase muito apreciada pelos sogros, que contam com um genro respeitoso que não abre a geladeira sem se sentir envergonhado e que em hipótese alguma se deita no sofá da sala, apenas se senta em posição ereta. Para o genro, a sensação é de estar em casa, mas ele tem que parecer tímido e educado por via das dúvidas da família da noiva, pois qualquer falha pode ser usada contra ele num futuro próximo e pode virar argumento para o pai da noiva quando ele estiver a convencendo a não se casar.
A cerimônia de casamento foi praticamente um sonho e Irene enfim realizava o sonho de seus pais de casarem sua filha única com um bom moço. Ainda assim, Julio estava nervoso no dia, talvez devido à conversa que teve um dia antes com o seu pai, que lhe deu uns conselhos:
- É meu filho, amanhã você põe as algemas. - lamentou o pai.
- Se a mãe te pega falando assim, você vai ver... - disse Julio, que experimentava seu terno do casamento. - O casamento não é uma prisão.
- Você diz isso porque nunca foi casado, mas eu falo assim porque odeio me ver preso a mesma rotina todos os dias: ir ao trabalho, depois vir almoçar, brigar com sua mãe, ir ao trabalho novamente e voltar para casa, cansado, estressado e para variar brigar com a sua mãe de novo. - disse ele, bocejando. - Depois de certo tempo, até uma toalha molhada em cima da cama é capaz de começar uma discussão sobre a relação... Você verá como estou falando a verdade muito antes do que você pensa.
Julio estava nervoso no dia da cerimônia, mas não a ponto de dizer "não" na hora do "sim". Quando o padre perguntou se ele aceitava Irene como legítima esposa, ele aceitou sem hesitar. Todo o nervosismo passou quando começou a lua de mel, a mesma continuou durante o primeiro ano juntos, a partir daí, Julio começou a dar ouvir seu pai.
- Amor, eu já me decidi: eu quero trabalhar fora, quem sabe até estudar. - disse Irene certa noite, enquanto ele lia um livro.
- Por que você trabalharia se as coisas na nova filial da sorveteria vão bem? Eu fui promovido a gerente, eu posso muito bem sustentar a casa, você e até um filho. - disse ele, ainda lendo o livro.
- As coisas vão tão bem naquela sorveteria que você fica o dia todo trabalhando, temos dinheiro, mas não temos tempo para nada. - disse ela a ele, que agora fechava o livro. - Hoje mesmo, hoje é quinta-feira, quando namorávamos íamos toda quinta-feira ao cinema, mas não vamos mais porque você tem que descansar a noite para abrir a sorveteria na sexta.
- Se eu te disser a quantia de coisas que mudaram desde os tempos de namoro, ficaríamos horas aqui conversando. - disse, guardando o livro na escrivaninha, pois a conversa lhe deixou nervoso e ele decidiu dormir.
Quando brigavam a noite, era comum irem dormir sem se falarem. De manhã, eles faziam as pazes, porém quase toda noite as brigas se repetiam, como um ciclo que nunca se acabava. E o tempo foi passando e o sorvete que antes Irene achava tão doce, se tornara amargo.
As brigas contínuas já preocupavam até os pais de Julio e Irene:
- Eu tenho medo de que os dois se divorciem, imagine só o escândalo. - disse a mãe de Julio à mãe de Irene, num dia quando as duas se encontraram no supermercado.
- Quem diria que aquele casal de namorados que antes não se desgrudavam fosse brigar tanto e passar a dar graças por estarem longe um do outro. - lamentou ela.
Os jantares em família não eram mais como na época de namoro, o dia não já não parecia tão bonito como quando estavam no auge da paixão e o cinema de toda quinta-feira passou a ser o cinema de todo feriado.
Certa vez, em uma discussão, Irene disse algo que ficou marcado para sempre na memória de Julio:
- Eu não estou desistindo de você, só estou desistindo do nosso casamento. - disse ela, tirando sua aliança e pondo em cima da mesa.
- Quer dizer que você quer se separar de mim? - disse Julio.
- Eu cansei do meu marido, quero de volta o meu namorado, aquele moço da sorveteria que me dava sorvete de graça todos os dias e descontava do seu salário sem se preocupar se ele baixaria pela metade.
- O que você quer então, que voltemos a namorar?
- Exatamente. Quero ser sua eterna namorada. - disse, beijando-o.
No começo, Julio achou que Irene estava ficando louca, mas quem nunca fez uma loucura em busca da felicidade? Após três anos de casamento, os dois caminhavam para uma vida vazia, da qual não se orgulham e apostariam na idéia de Irene para voltarem a serem felizes.
Eles só não imaginavam o quão difícil seria contar a novidade aos seus pais, por isso o casal foi com calma, porque se fossem para contar tudo de uma vez, o impacto seria grande demais:
- Pai, Mãe, o Julio e eu estamos nos separando. - disse ela, assim que seus pais abriram a porta para ela, que carregava suas malas.
Os pais ficaram perplexos ao verem sua filha ali, de volta para casa, porém ficaram aliviados por saberem que ela tomou uma decisão.
- Uma boa filha a casa torna... - disse o pai, com ironia.
Julio enfim aceitou a idéia de Irene trabalhar fora, pois ela passaria a morar novamente com seus pais e não poderia ficar a toa na vida, seria o mesmo que voltar a ser adolescente e eles só queriam apenas voltar a namorar. Foi quando Irene quis ir além e decidiu que queria ser professora. Seus pais aprovaram a escolha da filha e seu novo namorado - era assim que ela o chamava - também havia gostado. Com o tempo, Julio começou a se dedicar à culinária, pois passaria a morar sozinho na antiga casa do casal e ele teria que adaptar a sua nova vida.
Irene havia marcado um jantar em família, onde sua família iria conhecer seu novo namorado, o que seus pais não sabiam é que seu novo namorado era seu antigo marido.
- Eu acho que é ele. - disse Irene, ao ouvir a campainha. A jovem ajudava sua mãe a arrumar os talheres na mesa.
E então seu pai abriu a porta e teve uma surpresa:
- Julio? O que você faz aqui há essa hora? - disse ele, quase batendo a porta em sua cara. - Vá embora daqui, ela não te quer mais, rapaz.
- Não, pai, o deixe entrar. - disse Irene, preocupando sua mãe.
- Minha filha o que está acontecendo aqui? - perguntou a mãe.
Julio entrou, Irene foi até ele e os dois pararam em frente aos pais:
- Nós voltamos. - disse Julio.
- O quê? Mas que maravilha, eu sabia que só havia sido uma crise, um casamento bonito daquele não podia acabar. - disse o pai, animado.
- Mas as coisas serão diferentes a partir de agora, as coisas voltaram a ser como antes, como nos conhecemos. - disse Irene.
- Só voltaria a ser igual se vocês namorassem novamente... Calma, o que você quer dizer com isso? - disse a mãe, agora assustada.
- Vamos voltar a namorar, pra falar a verdade, vou continuar morando aqui com vocês e ele virá aqui toda noite me ver como nos velhos tempos, não tão velhos assim, mas como nos tempos de namoro. - disse Irene, que via seus pais parados, sem ação alguma.
Seus pais se sentaram, na verdade, eles caíram sentados. Foi um choque no começo, mas eles estavam querendo entender a situação:
- Será como voltar há três anos atrás, quando vocês dois eram pura poesia e ela tomava sorvete todos os dias de graça? - riu o pai.
- Por favor, isso é loucura. - disse a mãe, rindo com o marido.
Loucura, tolice, absurdo, sandice: quem quer soubesse sobre a nova situação dos dois, a pessoa sempre achava que ambos estavam loucos. "Vocês já passaram por essa fase, aceitem a realidade", dizia Tia Eusébia. No fundo, os dois gostavam de serem chamados de loucos, pois como eles mesmos diziam: se estavam loucos, era de amor.
Enquanto Irene terminava o magistério, Julio via a empresa em que trabalhava crescer dia após dia, criando assim uma rede de sorveterias na região. O mesmo estava experiente quanto à culinária e frequentemente fazia um jantarzinho especial para Irene em seu apartamento, ás vezes dava certo de eles jantarem após um cineminha, sempre numa quinta-feira e não mais em feriados.
O tempo tratava de passar e nesse clima gostoso de namoro, parecia que não passava tão rápido quanto antes. Vieram filhos, netos, sobrinhos e eles se dividiam entre a casa da mãe e a do pai, pois nem assim eles voltaram a morar juntos, pois eles achavam que voltando a morarem na mesma casa, voltariam também a brigar. E assim, se passaram quarenta anos, sendo dois anos de casado e trinta e oito anos de namoro, um número que poderia entrar no livro dos recordes.
- Qual é o segredo para se viver bem? - perguntou a repórter ao casal sessentão.
- Baseado em tudo que já vivemos, posso dizer que viver bem é estarmos do lado de quem gostamos e para quem é casado, eu digo que um casamento só funciona se o casal não perder o que construiu no namoro. - disse Irene, beijando Julio.
"Mas acho que vivemos bem porque não deixamos de lado a poesia da vida, não é? Somos eternos namorados, todos os dias nós ainda tomamos sorvete, a diferença é que hoje temos a companhia de nossos filhos e netos.", dizia Julio na reportagem que foi exibida na manhã seguinte.

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