quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O DIA DE TEREZA

Era uma sexta-feira, dia de sair sem se preocupar com a hora do regresso. Dia de beber com os amigos, tentar a sorte e falar besteira. De zombar das coisas ruins, afogando-as com um bom chopp ou suco bem gelado. Era o dia que Teresa mais esperava durante a semana.
Teresa era uma mulher madura, com seus 47 anos, morena, alta, cabelos pretos, olhos castanhos claros e bem vivos. Não aparentava a idade que tinha, era jovial em corpo e espírito. Batalhou sozinha pelos seus sonhos, sem marido, sem filhos. Seus pais moravam em outro estado. Quis fazer sua história longe de qualquer rosto conhecido. Corria atrás do que queria, sempre com um sorriso no rosto. Nunca deixava transparecer qualquer tristeza ou sinal de cansaço. Até tinha aqueles que duvidavam se Teresa, de fato um dia, teria conhecido a dor.
Ela conhecia, sabia muito bem como era a dor, o que era dor, o que ela lhe causava. E por conhecer que tentava mostrar distância da mesma. Mas toda noite, quando se via sozinha em seu apartamento, as verdades apareciam, o sorriso ia embora e Teresa chorava olhando para as lacunas que ocupavam seu peito. O seu dia era muito diferente do seu fim de noite: sempre rodeada de amigos, conhecidos, pessoas que se sentiam cativados pela boa energia e por pessoas que torciam pela sua queda. Porque o sorriso constante de Teresa incomodava aqueles que não sabiam sorrir.
Aquele era seu dia, dia de sair com seus amigos, dançar a noite toda, receber o dia de peito aberto. Sem choro, sem verdades, sem lacunas, sem solidão. Arrumou-se mais animada do que qualquer outro dia. Alguma coisa dizia que aquela seria uma sexta diferente de todas as outras.
O local escolhido para a saída foi seu barzinho favorito. Sentou-se na sua mesa de sempre, pediu o seu drink de sempre, ouviu as músicas de sempre e as cantou com um sabor diferente do normal. O tempo passou, as músicas tocaram e o barzinho já estava perto da hora de fechar. Teresa sentiu uma tristeza momentânea, sabia o que lhe esperava em casa: lembranças, verdades e prantos que a acompanhariam até o seu adormecer. Não queria voltar agora, mas não poderia impedir que seus amigos fossem embora. Pediu apenas um tempo para ir ao banheiro, queria lavar o rosto e afogar seu peito, antes que ele o fizesse primeiro.
Seu corpo saiu em movimento, seus pés sabiam andar muito bem pelo ambiente. Com a mente longe nem percebeu que havia alguém encostado na parede do banheiro feminino. Teresa atropelou seus passos. Teresa atropelou algo. Teresa atropelou seu choro. Teresa atropelou seus pensamentos. Teresa caiu.
Nem se importara com a queda, manteve os olhos mirando o chão. Até se dar conta do acontecido e começar a rir descontroladamente. Só que... Ela não caiu por nada, ela tinha esbarrado em alguma coisa... Na verdade, em alguém. Pensou o quão idiota era e pôs-se a adiar a hora de olhar quem acertara com seu desleixo. Então uma mão masculina apareceu de repente na sua frente. Uma mão firme oferecendo apoio, oferecendo uma chance de se erguer, era a mão de sua vítima. Teresa olhou para o dono da mão e tudo que conseguia fazer era continuar olhando sem qualquer pista de que pararia de fazê-lo, ela não queria parar de fazê-lo, ela não parou. Então ouviu-se pedidos de desculpas, sorrisos, uma conversa tímida e um frio na barriga como quem vai enfrentar seu primeiro desafio. Ela: muito sem graça com tanta confiança, gentileza e, por que não dizer, audácia daquele jovem. Ele: encantado com o brilho dos olhos daquela mulher, que hora pareciam ver todos os seus defeitos e medos, o intimidando, hora mostravam-se frágeis como de uma criança. As mãos não se largaram, as palavras vinham e o tempo ia. E o final de noite de Teresa tomou outro rumo: uma ligação que duraria muitas horas, dias, semanas. Uma ligação que não queria e não pedia por despedidas.
O sorriso de Teresa não se mostrava apenas de dia, mas todo o tempo. Os amigos mais chegados, os conhecidos, os desconhecidos, todos percebiam a alegria que transbordava do seu peito. Era diferente da alegria de antes, essa de agora parecia mais calorosa, mais humana, mais real. Como nem tudo são flores, coisas ruins também apareceram. As más línguas, as boas línguas, as línguas em geral, começaram a questionar Teresa sobre esse novo ser. Alguns diziam que não duraria muito, que era apenas fogo de palha. O que um garoto de  vinte e poucos anos iria querer com uma quarentona? Diversão apenas. Ou se aproveitar da situação, ganhando presentinhos, sendo mimado por uma velha com síndrome de Peter Pan, se achando uma mocinha de 18 anos.
O garotão em questão era Bruno. De família de classe média, um pouco conservadora, era graduado em administração. Era completamente ciente dos comentários que poderiam causar, era óbvio que surgiriam. Ele ouvira os mesmo comentários de sua família no começo de tudo. Era um preço a se pagar. Mas e se Teresa acreditasse neles? Ouvindo-os todo dia, uma hora poderia achar que era a pura verdade e sumir para sempre de sua vida. A dúvida não poderia ser respondida por ele. Não seria.
Teresa não queria permitir que o dia fatídico que Bruno tanto temia chegasse, mas confessava para si que era difícil não se deixar abalar por tantas versões do que estava vivendo, de vários Brunos que desconhecia, de Teresas que não era. Tentava se convencer de que nada daquilo era verdade, de que as pessoas apenas gostavam de problematizar a felicidade alheia. Por que não poderia viver feliz? Por que isso incomodava tanto as pessoas? O que Teresa havia feito para elas? Até hoje, sempre se ocupara em viver a própria vida, sem dizer uma pequena palavra negativa para alguém.
Se o amor era cego, por que o de Teresa teria que ver? Ela se sentia bem com ele, se sentia viva, o amava. Por que tinha que enxergar a diferença de idade? Por que teria que notar essas coisas todas que todos diziam? Por que não seria possível alguém se apaixonar por ela? Por que com ela teria que ser diferente?
Se tudo fosse um erro, não fazia mal. Ela erraria com todo o prazer de quem pelo menos tentou. Se podia se dar por inteira, então por que o fazê-lo pela metade? Mesmo que ele não a amasse, ela correria o risco pelo que seu coração dizia. Teresa respondia por si, não poderia e nem queria responder pelos outros. Medo? Ela não sentia medo. Mas por que as outras pessoas sentiam medo por ela? Se o que estava vivendo teria como consequência uma queda, que caísse então. Mas logo em seguida se reergueria e seguiria com sua vida. Ela não teria o direito de tentar ser feliz?
Teresa tinha total direito. Confesso que não conheci alguém tão merecedor quanto ela. Mas talvez ela não soubesse desse merecimento. Talvez ela não tivesse tanta certeza sobre seu direito de tentar, mas ela tentava. Ela sempre tentaria, mesmo sem essa certeza. Ela queria ser feliz, ela seria.
O fato é que as coisas com Bruno não durariam para sempre. Teresa sabia, mas ainda assim, lutara para tê-lo o tempo que fosse. E o amor paixão evoluiu: eles se tornariam melhores amigos, sem ressentimentos, sem briga, sem tristeza. Teresa o apoiava, o ajudava em suas escolhas, utilizando de sua experiência de vida e maturidade de uma mulher de 47 anos bem vividos. Bruno sabia como ninguém afastá-la de qualquer solidão ou insegurança. A animava, a protegia com a esperança e força de um garoto/homem de 26 anos. O companheirismo era visível e presente. Eles ainda se possuíam.
Hoje, Teresa tem plena consciência de que as histórias que ouvira antes não passavam de... histórias. De imaginação alheia sobre a vida alheia. O amor era cego, mas a inveja e a maldade não.
Hoje é sexta, dia de sair sem se preocupar com a hora do regresso. Dia de beber com os amigos, tentar a sorte e falar besteira. De zombar das coisas ruins, afogando-as com um bom chopp ou suco bem gelado. Era mais um dia que se juntava a tantos outros em que Teresa vivia plenamente, feliz. Dia de correr atrás do que deseja, de ter quem se quer por perto, de sorrir, de ter medo, de vencer o medo, de cair e levantar, de conhecer um novo amor, de conhecer um novo amigo, de amar, de ser amada, de se deixar amar, de se permitir errar, de acertar. De ser feliz. De ser Teresa.
Ah... Todo dia é dia de Teresa.

É meu dia. É o seu...

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