terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

DESAFIO

DESAFIO
 
Num cantinho de um bar
Que em Ipatinga existia,
Estavam sempre a cantar,
Dois rapazes, um da Bahia.
 
E a letra que cantavam,
Lá no pobre botequim,
Atraía os que passavam,
Se eles cantavam assim:
 
“Xipu, xipá, canário preto curió de beira-mar.
Eu dei um beijo por cima de outro beijo,
Nunca vi beijo dar beijo, nunca vi beijo beijar.”
 
Pouco a pouco alterando
As letras da melodia,
Num contínuo alternando,
Logo o outro respondia:
 
“Xipu, xipá, canário preto curió de beira-mar.
Eu dei um tiro, por cima de outro tiro,
Nunca vi tiro dar tiro, nunca vi tiro atirar.”
 
Num determinado dia,
Um otário foi chegando,
Com raiva da cantoria,
Na viola foi pegando,
E num tom de arrelia,
Começou alto cantando:
 
“Até que enfim o destino,
Resolveu me agraciar,
Ó meninos nordestinos!
Eu vim aqui pra cantar.
 
Vou mostrar o que é repente,
Que agrada a multidão,
Não fico enganando gente,
Como vocês dois estão.
 
Eu sou homem inteligente,
Mas, sou de pouco pavio
Se querem cantar repente
Vocês têm meu desafio.”
 
 
Ao senhor inteligente,
O baiano respondeu:
Pra sustentar teu repente,
Meu senhor, só basta eu.
 
Meu senhor impertinente
Eu vou logo elucidando,
Não era nenhum repente,
Que estávamos cantando.
 
E sim uma embolada, senhor,
Que eu canto com alegria,
Foi meu pai quem me ensinou,
Quando eu estava na Bahia.
 
Como já te expliquei,
Nós podemos começar,
O que ainda não sei,
É como queres rimar.
 
Podemos cantar calango.
Pra veres que não sei pouco,
Podes até vir com tango,
Não sei só o xote e o coco.
 
A Bahia, seu Pamonha,
Deu-me o que o homem precisa,
Pra acabar com um sem vergonha,
Como você que me pisa.
 
“Baiano bobo, da roça,
Eu sou homem da cidade,
Vou levar isso na troça,
Dou-lhe toda liberdade,
Rime você como possa,
Com ou sem sinceridade.”
 
Acabou-se a brincadeira,
Mas, continuo sereno,
Falando só baboseiras,
Invadiste o meu terreno.
Ao dizer tantas besteiras,
Vejo o quanto és pequeno.
 
Além disso és invejoso,
E um tanto complexado,
Achas-te muito garboso,
Mas tu és muito afetado,
Com teu jeitinho mimoso,
Deves ser efeminado.
 
“Bem pobre é o seu argumento
E esquisito o seu cantar
Nordestino, eu lamento,
Mas eu vou lhe massacrar,
Seu filhote de jumento,
Comedor de abará.
 
Vai ver o que é mineiro,
E o que é que o mineiro tem,
Nós temos muito dinheiro,
Pedras e ouro também,
Fazemos nosso canteiro,
Pra não mendigar vintém”
 
Mineiro, muito te enganas,
Não vim aqui pra esmolar.
Se vim da terra baiana,
Vim aqui pra trabalhar,
Nenhum metido a bacana,
Deixarei me atrapalhar.
 
Teu povo, cara, eu respeito,
E se eu dele for falar.
Por ser eu homem direito,
Só elogios hei de achar,
Pois, por teu grosseiro jeito,
Não posso a um povo culpar.
 
Mas, não te enganes comigo,
Não estou amofinando.
Sendo minha briga contigo,
A outros não irei culpando,
Sou macho duro, te digo,
Vais sair daqui chorando.
 
Como és muito intrometido,
De vaidade és vestido,
Gostas muito da falar,
Falaste de liberdade,
Verei se és bom de verdade,
Mudo o jeito de rimar.
 
“Baiano tome cuidado,
Eu já fiquei irritado.
Vou lhe desmoralizar,
Sou homem de muito brilho,
Quando conseguires milho,
Já estarei com o fubá.
 
Comedor de rapadura,
Vou mostrar-lhe minha cultura,
E o tanto que estudei.
Já li o Rui que é Barbosa,
O Guimarães que é o Rosa,
Já li Camões que é o rei.
 
Eu já li o feio Sócrates,
Li tratados de Hipócrates
Li Cristo com sua verdade.
Não sei só tocar viola,
Com Pico della Mirandola,
Conheci dignidade.
 
Se quiser o tema eu mudo,
Ou fingirás que és surdo,
Quando cito gente nobre,
Rapazinho da rapadura,
Deves pensar que cultura,
É plantio de gente pobre.”
 
Se um dia eu levar milho,
Para ti, homem de brilho.
Podes pensar o que quiseres.
Não é pra fazer farinha,
É ração pra tuas galinhas,
As quais chamas de mulheres.
 
Seu cabeça de titica.
Eu vou te dar uma dica,
Que acaba com o assunto teu.
De Sócrates e do Cristo amado,
Temos imenso legado.
Mas nenhum nada escreveu.
 
De Jesus, o Salvador,
Quem escreveu  com amor,
Foi Lucas, Mateus, foi João...
De Sócrates o algo que leu,
E sei que nada aprendeu,
Quem escreveu foi Platão.
 
A cultura é como a vida,
Não pode ela ser medida,
Pelo tanto que nós lemos,
Só a parte absorvida,
E pela razão digerida
É a cultura que temos.
 
Já que tu és tão sabido,
E que tanto tem aprendido,
Nós só vamos continuar,
Ó cara de dromedário!
Se em teu rico dicionário,
Rima pra lâmpada achar.
 
O tal mineiro atrevido,
Foi pego desprevenido,
Perdeu todo o seu falar,
Acabou todo seu papo,
Meteu a viola no saco,
E nunca mais voltou lá.
  

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